4. Evolução
paleoambiental
5.1-
Evolução do clima durante o Quaternário e a consequente evolução Geomorfológica
da costa Portuguesa
5.1.1 - Oscilações do valor da
temperatura
A
teoria de Milankovitch, hoje universalmente aceita, explica as oscilações da
temperatura com os ciclos das variações orbitais para os períodos mais longos e
para os períodos mais curtos com as manchas solares, ENSO – El Niño Oscilação
do sul e NAO - Oscilação Atlântico
norte. Estas teorias poderão ser comprovadas pelas sondagens nos fundos dos
oceanos. Relativamente ao número de oscilações, Bradley afirmou:
“ mas elas perdem-se no ruído do registo
climático de tempo longo, apenas as mudanças de maior amplitude são
detectáveis”; e relativamente ao seu número Lowe e Walker, afirmaram “ … tendo-se formalmente
identificado 116 fases nos últimos 2,73 Ma …“
5.1.2 - Pleistocénico – as
glaciações
A época do pleistocénico iniciou-se
acerca de 1,8 milhões de anos e foi caracterizada por glaciações sendo a
glaciação de Wurn, a ultima grande glaciação que se terá iniciado há cerca de 80
000 anos AP e terminado há cerca de 20 000 anos - 18 000 anos AP. Daveau, S
(2004). Os testemunhos geológicos, como são os depósitos glaciares, dão-nos a
manifestação das glaciações causadas pela descida muito acentuada da
temperatura em todo o planeta, a qual terá variado em cerca 7º a 17º C em
diferentes áreas do globo, e que se estima terem sido no actual território
Português em cerca de 10º C. Esta oscilação térmica, repercutiu-se
inevitavelmente na formação de glaciares e uma acentuada descida do nível médio
do mar (nmm). O nmm localizava-se a entre
-120 a -140 metros abaixo do nível actual Dias, (1985, 1987). A frente
polar chegava ao actual norte de Portugal, chegando mesmo icebergs a Marrocos.
Ocorria forte erosão, devido a bastante precipitação e fusão estival dos gelos.
1.1.1. - Holocénico – subida do nível do
mar e alterações da linha de costa
Após a UGG, o clima vai aquecer, o nível do mar vai
subir rapidamente dos -140 / -130 m há cerca de 18 000 anos até atingir o nível
actual à cerca de 4500 anos atrás, embora com oscilações devidas a várias
glaciações de menor dimensão. Com o inico da fusão dos gelos o nível médio do
mar sobe entre 16 000 anos AP (antes do presente), até 11 000 AP. O processo de
subida da temperatura e do nmm, só foi interrompido de forma mais significativa
com Dryas recente (III) há cerca 11 000 - 10 000 anos AP. Este evento foi
causado pela enorme quantidade de água doce provenientes da fusão glaciaria e
em consequência modificações oceanográficas. Logo depois, entramos no período
actual, o holocénico, onde ocorre nova modificação climática. A temperatura
volta a subir e em consequência nmm do mar também, tendo-se verificado o
desaparecimento do Inlandis escandinavo e dos glaciares da Grã-Bretanha Chaline
J, (1985). Em consequência o mar invadiu muitas terras – transgressão
flandriana – até ao óptimo climático. Há cerca de 5000 - 4000 anos AP, o nmm
aproximou-se ao nível actual. Na actual costa Portuguesa, o litoral recortado
começa a ser preenchido com sedimentos estuarinos – histerese. A costa
gradualmente e por acção dos factores naturais, vai sendo rectificada, processo
que aumenta no último milénio por acção antrópica. São exemplos as lagoas da
Pederneira - Nazaré, Alfeizerão
e
Óbidos localizadas no vale do diápiro das Caldas da Rainha. O clima favorável
do período quente medieval favoreceu o crescimento populacional e ocorreu a
consequente desflorestação, o que acelerou a sedimentação, a qual com a
corrente de deriva litoral originou uma costa mais arenosa nos locais
favoráveis, como é a costa entre Espinho e a Nazaré.
A área entre a Figueira da Foz e a
Nazaré, sofreu uma importante invasão marinha no pliocénico médio, atingindo
áreas a 24 km da costa actual, ou seja até aos relevos de maior elevação a
leste. O clima quente e húmido, o qual promoveu uma intensa meteorização
química (caulinização) da rocha mãe, associado a um elevado caudal dos cursos
de água, resultou num intenso assoreamento. Ramos et al.( 2009). Esta
plataforma foi já no plistocénico inferior, sujeita a forte erosão com a
formação de encaixes fluviais e terraços, devido à descida do nmm. O
rebaixamento do nível de base, fez com que os estuários fornecessem muito
sedimento para o litoral. O litoral ficou assim constituído por vastos campos
dunares, com muito transporte eólico. O processo não foi contínuo e sofreu
inversões com os períodos interglaciários e também com o levantamento regional.
Após a estabilização do nmm do mar, há cerca de 4000 anos, as áreas fluviais e
marítimas de pouca profundidade vão gradualmente ficar emersos, devido à forte
sedimentação, muita dela acentuada por intervenção humana, causada pela
desflorestação. Para isso contribuiu a sedentarização do homem e a consequente
agricultura. Este processo antrópico foi gradualmente acentuando-se com o
aumento da população num território de cariz mediterrâneo. São exemplos deste
processo de construção do litoral e do progressivo assoreamento, entre Mira e
Espinho, as lagoas acima referidas e ainda Grândola e tombolo de Peniche. É de
referir que o processo de construtivo do litoral se terá reforçado entre os
anos 600 e 1000, devido ao aumento dos temporais e das precipitações. Por acção
da corrente de deriva litoral, e por acção do vento, os agentes vão assim
criando territórios novos Dias (2004).
1. - Os impactos das alterações do clima na
vegetação
Os diferentes climas e as dinâmicas
geomorfológicas implicaram alterações na flora e mesmo no comportamento humano.
Nos períodos frios a actual costa portuguesa serviu de refúgio
“ A península
Ibérica é geralmente assumida como um dos refúgios do sul da Europa para as
condições adversas da última época glacial. A sua localização de latitude
baixa, quando comparada à restante Europa, permitiu um clima mais tolerante
embora afectado pelos mesmos processos de instabilidade, resultando num
ambiente dinâmico em todo o final do quaternário” Gomes (2007)
“ Devido à
proximidade do mar, os territórios litorais e sub-litorais constituíram refúgio
a plantas termófilas, na sequência das diferentes glaciações.” Gomes 2007
“ O
holocénico começa com uma expansão arbórea, primeiro de Betula e Pinus (10 000
a 9500 BP) e depois de Quercus caducifólios (9500-8600) ” Paleoclimas e história da la vegetación – Garcia et al
(2000).
“
A Península Ibérica configura-se como um local de extrema importância para a
análise de padrões paleogeográficos na distribuição da fauna e flora”. Gomes (2007).
A
formação dunar antiga da MNL, contem a pequena profundidade (até meio metro),
uma cimentação de ferro-húmico, semelhante ao horizonte B dos solos podzólicos,
e é vulgarmente designado de surraipa. A génese deste horizonte está
relacionada com o processo de lixiviação e com a presença de húmus ácidos
produzidos pelas folhas acerosas da vegetação dominante (Pinus) e juntamente
com a areia forma o horizonte A2. Este processo é lento e é indicativo da
antiguidade da cobertura vegetal. André e Cordeiro ( 2006). Este tipo solo,
Podzol, permitiu a permanecia de água e humidade suficiente, para se manterem
plantas características de climas mais húmidos, como é o caso dos
tojais/urzais, os quais são próprios das charnecas atlânticas das montanhas do
NW da Península Ibérica. A podzolização, ao permitir a formação de surraipa,
permite que com pouca precipitação, as plantas urzal/tojal, possam subsistir em
certos locais onde a presença humana não se fez sentir em demasia e deste modo
persistir uma comunidade vegetal que é idêntica ao período do atlântico (6500
anos AP).
6.1 Interpretação dos Diagramas
polínicos
Na nota explicativa da folha 22-D (Marinha Grande), da
carta geológica de Portugal (1965), é referido a existência nas imediações do
farol de São Pedro de Moel, de um depósito do plistocénico com pólenes de Pinus
pinaster.
Todos
estes trabalhos vão no mesmo sentido de que o Pinheiro esteve presente no
actual território Português, pelo menos desde há milhares de anos, mas
progressivamente a sua presença foi reduzindo-se até ser sujeito à
reflorestação. Estes trabalhos foram direccionados para a temática da evolução
da vegetação, da costa, do clima e do impacto humano. Analisando os diagramas
polínicos da lagoa do Saloio, verifica-se que a espécie Pinus pinaster está
presente nos diferentes níveis das sondagens, embora seja igualmente patente a
diminuição dos valores de pólen de pinus ao longo do tempo. De cerca de 80%
(figura A), chega a menos de 20% (figura D) e recupera nos níveis mais recentes
(figura E). Ao nível cronológico, a autora refere na sua tese que “a base do
depósito da lagoa do saloio datará do início do Holocénico (10000 - 8000AP) “.
Os diagramas polínicos expostos na Tese de Mateus,
foram realizados a partir das sondagens efectuadas no lugar Lagoa da Travessa e
Figueira de Baixo - Carvalhal, município de Grândola, ficando a cerca de 2 kms
da costa. Estes locais têm estruturas anteriores à época do Holocénico, e foram
sujeitos ao enchimento a partir do período boreal. O antigo podzol existe por
debaixo das modernas dunas. Estas lagoas fizeram parte de um antigo vale
pleistocénico. Por estas e outras características, estas lagoas estudadas por
Mateus são locais muito importantes para o estudo dos ambientes
antigos.
O autor, no seu estudo considerou dois tipos de solos: os interflúvios dunares,
caracterizados por solos pobres e ácidos constituídos por solos arenosos, (Podzol
degradados) que são o domínio dos pinheiros bravos e os vales caracterizados
por solos mais ricos como os fluvissolos cambissolos, domínio da quercetea
ilicis.
Relativamente às florestas e aos
pinhais, o autor refere na sua obra: “ Pinus pinaster foi o sub-tipo dominante
antes de 4100 AP”.
Com o estudo da tese e na análise concreta dos
diagramas polínicos, é possível verificar claramente a presença de pólen de
pinheiro e em concreto de Pinus Pinaster desde à 7500 AP. Verifica-se ainda que
a frequência diminui até cerca de 2500 AP, e depois há um ligeiro aumento da
espécie pinaster e um aumento significativo da espécie pinea, assim como um
aumento do pólen dos arbustos. Podemos sucintamente considerar que o percurso
do decrescimento da presença de pinus pinaster se pode dividir em níveis de
decrescimento: Desde o início do holocénico até 6400 AP, as vastas dunas
antigas estavam ocupadas por pinheiro bravo. Com o aquecimento do clima e o
consequente avanço do mar e possível contribuição antrópica, há um declínio da
presença de pinhal até 4000 AP. Este processo acentua-se numa terceira fase até
3200 AP, uma vez que se acentua um período seco associado à presença humana.
Este mesmo declínio aumenta até 1600AP.
6.2
Paleoecologia arqueológica
É consensual que há de facto uma relação entre o
Homem e a floresta. A correlação que se estabelece é positiva entre o aumento
da população e desflorestação. Deste modo quando a arqueologia estuda a
evolução humana, e ao entender o seu comportamento e hábitos, nomeadamente a
alimentação, isto é se a mesma é mais ou menos sedentária, pode ajudar a
entender também a tendência recessiva ou expansiva da floresta. À medida que o
aquecimento climático, decorreu após as glaciações, e que há o recuo da linha
de costa e a expansão da floresta, os grandes mamíferos, deixam de ter os
grandes espaços e migram para a alta montanha. Com o auxílio da antropologia e
do método da termoluminescência, nas pesquisas a diversas jazidas, localizadas
nos maciços calcários da serra dos Candeeiros, de Aire e de Sicó foi possível
concluir (Zilhão) por um povoamento antrópico de grande mobilidade e também no
aumento do consumo de recursos aquáticos por parte do homem a partir do
pré-boreal, como é exemplo o sítio da pedra do patacho. Pelo contrário não foi
encontrada qualquer jazida antes de 10000 AP, que documentasse consumo de
alimentos de origem aquática. Este tipo de consumo documenta assim menor caça.
É assim possível perceber que a densificação da floresta implicou a deslocação do
homem para a proximidade dos estuários. Só posteriormente com o neolítico, o
homem ocupa de novo vastas áreas com o desenvolvimento da agricultura e com a
desflorestação.
1. O
recrudescimento do Pinus Pinaster por via da plantação
O Pinus pinaster, consegue sobreviver às
glaciações e posteriormente à acção antrópica. O homem que foi o principal
agente na destruição das florestas, pela necessidade de espaços, principalmente
para a agricultura vai servir-se do pinheiro bravo para o ajudar na protecção
dessa mesma economia, quando surgem esses novos territórios que são as dunas
litorais. A mata Nacional de Leiria, é propriedade do Estado desde que D. Diniz
a doou à rainha D. Isabel, tendo ficado conhecido como pinhal do Rei.
Este pinhal, cedo deixou de ser apenas um local de caça e de
lazer para a realeza, para vir a ter um papel muito importante na protecção dos
campos agrícolas com a estabilização das dunas, bem como no fornecimento de
madeira para a construção naval. O pinheiro bravo foi a árvore de eleição, para
este tipo de território, e o homem reconhecendo a sua inata capacidade de
adaptação ao meio, nomeadamente aos ventos atlânticos, ao mar, aos solos pobres e recentes
como são as dunas. Acrescente-se ainda o facto de a espécie ter um
crescimento relativamente rápido. Há algumas referencias históricas em documentos antigos que
indicam a existencia de uma floresta nesta região, noemadamente:
“…. E passa por Melvua, atee a mata de Pataias, donde corta
direito por entre a Pederneira, & Muel até chegar ao mar … “ - Carta de
doação passada por Dom Afonso Henriques ao Mosteiro de Alcobaça
““ em carretar a nossa madeira que vem do nosso pinhal de Leiria pollagoa
ao traves” Excerto de crónica de Fernão
Lopes“
A importância da mata foi crescendo não só porque a
areias aumentavam por via da desflorestação, mas também porque as necessidades
de madeira iam aumentando com o desenvolvimento da frota naval devido ao
comércio marítimo e às descobertas.
Assim ao longo dos séculos
a mata foi constantemente intervencionada, mas nos
finais do século XIX e início de XX, o processo de
semeadura foi mais forte, nomeadamente na parte mais próxima da costa.
Junto à
costa foram construídas defesas, paliçadas, que deram origem a uma duna
primária, a qual foi fixada com o auxílio de vegetação, nomeadamente estorno
(Ammophila arenaria), madorneira (Artemisia Crithmifolia), tojo
arnal Ulex europaeus), giesta (Spartium junceum), camarinheira (Corena álbum) e
sargaço (Citus monopeliensis).
8 - Síntese
Em 1938 Arala Pinto no seu livro o “Pinhal do Rei”
levanta a questão se o pinhal terá sido de facto introduzido pelo Rei Dom
Diniz, o qual segundo a lenda teria mandado vir penisco de França. Na carta de
doação de Dom Afonso Henriques ao Mosteiro de Alcobaça, relativamente à
delimitação, pode ler-se o seguinte“...e passa por Muelva, atee a mata de
Patayas... “; e na carta de foral de Dom Diniz à Dona Isabel é referido … “a
foz do val Madeyro..”. É ainda referido pelo autor que fora encontrado lenhite no
talhão 249, da mata. O autor lança algumas questões como: 1- Mediando apenas 42
anos entre o reinado de Dom Diniz e o reinado de Dom Fernando como é que o
pinhal poderia ter tomado tal desenvolvimento de forma e importância apontada
por Dom Fernando? 2- Como teria tido Dom Diniz a visão da fixação das
areias cinco seculos antes dos franceses?
As sondagens realizadas em diferentes locais de
Portugal como os dois locais apresentados Travessa e Saloio, coincidem nos
resultados, ou seja na presença do pinus pinaster desde pelo menos 7580AP. Mateus
e Queiroz (1993: 125) referem a existência de uma extensão máxima florestal,
que dominaria com a espécie Pinus pinaster todo o litoral “ provavelmente em
toda a costa de substrato arenoso não consolidado, do Porto a Sines”.
Os documentos históricos são um importante auxílio à
compreensão dos ambientes antigos. Essa informação neste caso reforçou as
conclusões de diferentes estudos de diferentes domínios da ciência.
9.
Conclusão:
Este relatório, com base no
extraído nos diferentes estudos e nas pesquisas relativas ao tema, finaliza com
a convicção de que o
pinheiro esteve sempre presente no actual território
Português, tendo resistido às glaciações, aos diferentes climas e à acção antrópica.
O carácter pioneiro do pinheiro e as suas características, fizeram da espécie
Pinus pinaster a árvore dominante desde à muitos milhares de anos no actual
território português, sabendo-se adaptar a solos pobres como são as dunas, e às
dinâmicas litorais. Assim a Mata Nacional de Leiria, é o resultado do esforço
do homem, mas principalmente da resistência do pinheiro bravo. Outra questão é
saber se esta árvore vai resistir a mais uma adversidade que é a concorrência
do eucalipto e de uma nova doença como é o Nemátodo.